Tuesday, March 20, 2012

Bicletas, macacos e mobilidade urbana

A classe média brasileira para além das clássicas divisões com base em critérios de renda pode ser dividida em quatro grupos. O primeiro é a classe média brasileira norte-americanizada. Esse grupo espera as férias para dar umas voltas em Miami e Nova York e comprar roupas de grife e eletrônicos e, por externalidade, fuder o saldo em transações correntes do comércio exterior brasileiro. O segundo grupo parece muito com o primeiro, entretanto, como tem uma renda um pouco menor para financiar uma viagem a um país de moeda mais forte vai para a Argentina nas férias com vistas a dobrar o poder aquisitivo e comprar artigos esportivos de grife e outras bugigangas, e também por externalidade, fuder o saldo em transações correntes do comércio exterior brasileiro. O terceiro grupo também vai para Argentina por questões econômicas, mas vai para comer e beber vinho bom e barato e passear de barquinho pelos canais de Tigre. Como não poderia deixar de ser, esse grupo também ajuda a fuder o saldo em transações correntes do comércio exterior brasileiro. O quarto grupo, é a classe média europeizada. Parece com o terceiro, mas como tem mais renda, vai comer e beber na Europa e passear de vaporetto na Laguna ou de bicicleta em Amsterdã. Ainda assim, também ajuda a fuder o saldo de transações correntes do país.
Essa verdadeira nova e cretina taxonomia da classe média brasileira serve apenas para a ampliação do arsenal cognitivo da humanidade, até porque para os nossos propósitos nesse texto, basta a definição do quarto grupo. Ultimamente tem aumentado nas redes sociais a campanha de apoio à utilização da bicicleta como meio de transporte ordinário na maravilhosa, úmida e calorenta cidade do Recife. A nossa classe média europeizada tem liderado essas movimentações utilizando fortemente dois argumentos, a saber: a diminuição da demanda por espaço viário; a promoção da saúde e do bem estar urbanos, tanto pela prática de exercícios físicos, quanto pela diminuição das emissões de gases nocivos. Primeiro, gostaria de revelar que ultimamente tenho usado a bicicleta para me movimentar, embora eu esteja de férias. Além disso, gostaria de admitir que faço parte dessa classe média europeizada que gosta do veículo. Entretanto, sejamos francos e realistas, as bicicletas não são a panaceia para o caos que se tornou o problema da mobilidade na RMR. Vamos então às contra-argumentações.
Primeiro, contra a ideia da diminuição da demanda por espaço viário, a bicicleta ocupa quase tanto espaço quanto uma motocicleta. E enquanto a primeira rarissimamente pode levar duas pessoas, a segunda normalmente pode. Se o poder público iniciar a implementação de ciclovias e ciclo-faixas nas vias, não vai demorar muito para que estes caminhos estejam congestionados. Além do que, no momento inicial a situação vai se tornar o verdadeiro helter skelter, pois as pessoas não vão deixar de usar o automóvel particular no outro dia. E não é um problema só da fricção adaptativa. A quantidade de carros não parece ter elasticidade-engarrafamento muito alta. Em outras palavras, poucos deixam de usar o carro porque o caminho está engarrafado.
Agora contra a ideia da promoção da saúde e do bem-estar urbanos, preciso recorrer às hipóteses do comportamentalismo animal. Animais têm uma tendência clara que fundamenta o seu modo de vida e por consequência seu comportamento normal: maximizar o saldo de energia no processo de absorção e utilização dos nutrientes. Muito já se confirmou que a progressiva sedentarização do homo sapiens tem levado a nossa espécie à obesidade. Já se confirmou também que a necessidade de adquirir hábitos saudáveis na nossa vida cotidiana é uma urgência. Praticar exercícios físicos tornou-se uma necessidade, já que essa conduta substituiu os ônus energéticos com que a espécie tinha que arcar para achar fontes de energia, contribuindo para o equilíbrio da nossa massa corpórea. De fato, há muita lógica no raciocínio que embasa essa ideia, mas as estatísticas sobre biologia comportamental nos mostram claramente que o comportamento mediano do ser humano não tende a ser mais racional do que o de um macaco. Sendo assim, não se deve pensar que nossos cidadãos (condenados estatisticamente a se aproximarem da linha mediana da inteligência) vão repentinamente se dispor a pedalar por quilômetros porque isso vai ser bom para a saúde deles. É mais improvável ainda que os que adotem, mantenham o hábito num longo prazo. Além do mais, as condições climático-meteorológicas da cidade contribuem bastante para que sempre se queira estar em um lugar com ar condicionado.
Faço então uma defesa do transporte público de massas como fundamento da mobilidade urbana numa metrópole inchada como o Recife. Não obstante, as bicicletas e os deslocamentos a pé devam fazer parte da lógica da eficiência da mobilidade, estes meios devem ser secundários. Coisas como metrô e sistema de ônibus metrolizado (VLP ou VLT) é que devem ser exigidos. Esses meios apresentam grande eficiência, já que possuem alta taxa de passageiros por área ocupada. Outra saída são as águas da cidade. A ideia da transformação do Capibaribe em hidrovia urbana para transporte público é fantástica e deve ser ampliada, tanto para os outros rios da metrópole (Beberibe, Jordão, Tejipió, Jaboatão), quanto para os canais. Tudo isso com base no conceito de que em termos de transporte público de massas, mais é mais.