Tuesday, April 17, 2012

Ocupe Tejipió!

Bairro da Zona Oeste do Recife (sim dentro do município do Recife), Tejipió é um bairro cercado por trechos de Mata Atlântica, cortado pelo rio de mesmo nome que segue até a bacia do Pina se juntando com este rio e o Jordão para formar o veio d’água que de repente setores da sociedade recifense passaram a achar o mais lindo do mundo. Tejipió abriga também uma das grandes emergências do estado, o Hospital Otávio de Freitas, antiga referência no tratamento de tuberculosos, dado o puro e bucólico ar da região. Tejipió ainda é cortado por uma avenida que tem pelo menos uns três nomes, mas que começa lá no centro de Jaboatão e vai bater em Afogados, o que propicia ligação com o centro da cidade pela Avenida Sul (paralela ao cais José Estelita). Além desse caminho, muito próximo ao bairro passa a BR 232, que também, virando a Abdias de Carvalho e cortando a Agamenon, leva ao centro. Há dois grandes quarteis do Exército e muitas escolas públicas. Uma maternidade e evidentemente um grande comércio local. Faz fronteira com outros bairros importantes da cidade como Jardim São Paulo e Curado e com o município de Jaboatão, cujos bairros lindeiros a Tejipió são o Alto do Pacheco e Cavaleiro, grande centro de comércio popular da RMR. O mais importante de tudo é que corta Tejipió, a linha Leste-oeste do metrô do Recife. Chega-se do bairro na Estação do Recife, no centro da cidade em menos de 20 minutos com o transporte, que agora tem ar condicionado. Você, que foi domingo ao Cais José Estelita, sabia disso?
Fui fortemente censurado por me negar a participar do Ocupe Estelita. Neguei-me por uma série de coisas (entre elas aproveitar meu ócio dominical tomando cervejas amargas e comendo iguarias adiposas num mercado público), mas a fundamental é que eu me opus à ingenua incoerência do grosso do movimento, que ao querer demonizar o setor imobiliário e o projeto Novo Recife não atenta para um problema fundamental da questão da ocupação do espaço urbano na cidade. Primeiramente, a tirar pelos meus amigos de Facebook que manifestaram apoio ao movimento, este é formado predominantemente por quem mora na meia lua de prosperidade do Recife, que vai de Boa Viagem até Casa Forte. Ora, fugindo da superficial hipótese que afirma que quem mora em prédio alto não pode ser contra a construção de prédio alto, vamos à maldita teoria econômica para esclarecer o ponto de discordância. Num mercado de um bem (maldito mercado) existem consumidores (demanda) e produtores (oferta) que travam relações fundamentalmente mediadas pelo preço do bem. O preço variará enquanto as quantidades ofertadas e demandadas não forem idênticas; quando forem, essa situação será chamada de preço de equilíbrio. As curvas de oferta e demanda, entretanto podem sofrer deslocamentos. Se uma delas sofre e a outra não (ou sofrem juntas, mas não na mesma medida), haverá variações de preço. Observando a situação a partir dos possíveis atores, consumidores e produtores, os primeiros são desestimulados a consumir quando o preço aumenta, da mesma forma que os segundos são incentivados a produzir quando o preço aumenta. Uma das razões de aumentos no preço é uma mudança na estrutura na demanda (deslocamento da curva para a direita). Nessa situação, o produtor é incentivado a produzir até que o preço pare de subir (preço de equilíbrio). Na hipótese de a demanda continuar se deslocando para a direita, não haverá limites ao incentivo de produzir.
Sem querer tornar esse modelo teórico uma filosofia social (tarefa tão cretina quanto tornar o comunismo uma filosofia da mesma espécie), é possível usá-lo para explicar parte do motivo da minha negativa em participar da manifestação. Quando, ao escolher morar no arco de prosperidade da cidade, o indivíduo está ajudando a provocar deslocamentos para a direita da curva de demanda por unidades habitacionais nessa região e isso acarreta aumento do preço. Como o preço se torna constantemente mais baixo que o preço de equilíbrio, o setor imobiliário é incentivado a produzir e ofertar unidades habitacionais na região até quando puder.
É fundamental reconhecer, por outro lado, que a ocupação do espaço urbano na RMR tende a ser guiada pelos interesses das imobiliárias em ofertar habitação para cidadãos que querem morar em bairros legais e descolados, ou simplesmente que tenham uma ampla oferta de bens e serviços (não só públicos). A ideia contra a qual reage o movimento é legítima. O Novo Recife está muito longe de ser benéfico à cidade, mas em vez de consumir unidades habitacionais em Boa Viagem e Casa Forte, os manifestantes poderiam pôr na sua agenda a possibilidade de consumir unidades habitacionais em outros bairros.
E é uma questão de escolha. Afinal, no trajeto das Graças ao centro no horário do rush, gasta-se cerca de meia hora dentro de um automóvel. Há bairros fora do arco de prosperidade onde esse tempo de deslocamento é menor – e de metrô com ar condicionado. Há uns meses atrás, houve uma campanha (o Facebook é cheio delas) reclamando dos preços exorbitantes dos shows de Chico Buarque no Recife. Em vez de reclamar, basta não comprar. Isso desloca a curva de demanda. É plausível considerar que há tendências a um mercado como o de ingressos de Chico Buarque ser um livre mercado. Em vez de reclamar, tome decisões para guiar a mão invisível. Elas baixam o preço e reduzem os incentivos dos agentes econômicos do lado da oferta. Em vez de ocupar o Estelita, ocupe Tejipió! Estou inclinado a achar que haverá mais congruência entre ações e intenções.