Tuesday, October 28, 2008

O boêmio e o surfista

O surfe é um esporte de alto rendimento aeróbico e muscular. Uma noitada normalmente gera no dia posterior uma tremenda desidratação, dores hepáticas, fadiga muscular, e mais uma série de outras mazelas que em conjunto são conhecidas popularmente como ressaca. Esses fatos seriam suficientes para atestar que algumas pessoas têm as suas vidas determinadas por um dilema existencial, a saber: ser boêmio ou ser surfista? Como habitamos uma cidade cujas praias são propensas à aproximação de elasmobrânquios, é quase batido o fato de que aqueles que quiserem surfar têm que fazer uma viagem de no mínimo 45 minutos para chegar à praia onde o risco de ataque desses animais vorazes é baixo. E como as pessoas exercem atividades estudantis ou profissionais nos dias úteis para garantir o seu próprio sustento, viagens desse tipo se tornam possíveis praticamente apenas nos finais de semana e feriados. Mas é exatamente nesses dias (e nas vésperas dos mesmos) que acontecem as atividades lúdicas mais interessantes. Festas, bares e boates sempre nos oferecem os prazeres da vida à noite. Nestas atividades, normalmente nos deparamos com uma oferta considerável e a custo razoável de bebidas alcoólicas e comidas de baixo teor nutritivo e alto teor calórico, tais como caldinhos, espetinhos, crustáceos e pipoca. Alguns ainda aproveitam a oferta de tabaco e de tetra-hidrocarbinol. O consumo de tais produtos pode propiciar às pessoas momentos verdadeiros de felicidade e regozijo, cujos benefícios chegam a superar os custos exigidos por uma ressaca. Por outro lado, dropar uma onda (de pelo menos uns 5 pés) e descê-la até o seu final é uma sensação quase orgástica. O problema é que para fazer isso, o surfista precisa passar por algumas etapas e arcar com alguns custos. A primeira é entrar no mar e alcançar o ponto de formação das ondas. Essa etapa exige fôlego, força e certas técnicas específicas como o popular cavalinho. Quando dentro do mar, o surfista precisa se deslocar constantemente numa direção paralela à linha de arrebentação para alcançar os pontos onde a onda cava e encaixa o sistema surfista-prancha. Isso exige fôlego e resistência muscular. Por fim, o surfista precisa, ao estar localizado em algum dos pontos críticos da onda, remar com toda a potência muscular de que dispõe, para dropar no tempo correto. Ou seja, para um bom dia de surfe, o atleta deve estar em condições próximas das ótimas no quis diz respeito ao fôlego, à elasticidade e à potência musculares e ao sono, condições que uma noitada, por meio do seu efeito mais deletério, não pode propiciar. Como resolver então tal dilema existencial? A simples escolha de um dos dois implica no que os economistas chamam de custo de oportunidade. Esse conceito versa simplesmente sobre o custo de não escolher uma das opções e em conseqüência não aproveitar os seus benefícios. Se escolher ser surfista, o indivíduo não poderá aproveitar os prazeres de ser boêmio. Se escolher ser boêmio, não poderá aproveitar os benefícios de ser surfista. Escolher ser meio surfista e meio boêmio também não é razoável, pois o indivíduo pode acabar arcando com os custos de ser cada um sem aproveitar os benefícios de ser cada um. Escolher nenhum dos dois e ficar em casa na noite de sexta e no dia do sábado é uma opção irrealista. Enfim, eis mais um dilema existencial da nossa civilização.

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