Saturday, October 23, 2010

Papai, eu preciso ser notada!

Eu nunca vi um filme de Sofia Coppola inteiro, mas vi uns pedaços de alguns e todas as vezes tive um verdadeiro mal-estar com as baboseiras que a cineasta usa para fundamentar as suas obras. A baboseira fundamental é a caracterização da protagonista (talvez ela própria) como uma pessoa que está convicta da sua espiritualidae superior ao resto do mundo porque nunca aceitará viver a vida frívola das pessoas ao seu redor e que demonstra uma angústia tremenda quando um contexto desse tipo lhe é imposto. Uma outra baboseira é o sentimento de frustração que vai adquirindo a protagonista (e em algumas situações outros personagens semelhantes) com o fato de que nunca poderá ficar claro a essas pessoas frívolas o quanto a sua espiritualidade exacerbada é superior.
O filme de Coppola Filha que vi por mais tempo foi "Encontros e Desencontros". A protagonista é a deliciosa Scarlet Johanson e o mocinho é a porra do Bill Murray. O filme já começa bizarro pela sugestão de que Scarlet Johansen vai dar pra ele. Isso já é uma coisa indigna de se pensar, mas Bill Murray é um personagem que compartilha com a protagonista esse definitivo senso de superioridade espiritual em relação ao restante de humanidade (no caso de Murray esse senso se manifesta em relação ao Japão e aos japoneses). Em um momento do filme ele lamenta pra ela: "ah! viajei não sei quantas mil milhas para fazer um comercial vazio e ganhar uma quantia exagerada de dividendos". De fato ele não fala isso, mas fala algo com exatamente esse sentido. A moça que é ou filósofa ou antropóloga (não lembro), mas casada com um fotógrafo galã, que trabalha com modelos bonitas que falam de prisão de ventre (que frívolidade!) se apaixona por Murray. Eis um confronto do belo vazio contra o feio pleno de conteúdo intelectual e espiritual por dentro. E a paixão é recíproca, pois um feio pleno por dentro consegue ir além do maravilhoso e curvilíneo pote que envolve a intelectualidade e espiritualidade superiores de Johanson. E quando dois seres desse tipo se encontram, dá namoro! Não cheguei a ver o final, mas conversando sobre essa porra desse filme, já me contaram que felizmente os dois não consumam a paixão (nem com um inocente beijinho). Aliás, parece que o filme ganhou Oscar de melhor roteiro justamente porque o desfecho não é como a maior parte dos filmes desse tipo. Aliás, já escutei louvores a essa magnífica obra por causa desse magnífico desfecho. Os dois protagonistas acabam se separando.
Eu não consigo bem entender o significado de um final como esse, mas posso especular. A primeira hipótese é a de que eles eram tão superiores que não era necessário que a paixão descesse ao baixo nível do encontro de fluidos corporais e carne. A segunda hipótese é a de que a frivolidade que inunda as pessoas as impediria de entender principalmente os atos de Scarlet Johanson (já que ela é a protagonista). Na primeira, a plenitude espiritual (ainda que feia por causa de Muray) vence a frivolidade. Na segunda o contrário. Mas o fato é que o filme é feio e pleno tal como que um pote cheio de merda também é.
Resolvi postar esse texto porque acabei de ler num jornal que no filme novo dela, Coppola usa a mesma fórmula. Eis a frase na matéria: "Coppola faz retrato do showbusiness e da vida que gira no vazio". Puta que pariu!
Tinha parado nessa frase pra escrever aqui, mas quando li o resto da matéria (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/818945-sofia-coppola-equilibra-critica-e-delicadeza-em-um-lugar-qualquer.shtml) lembrei de uma discussão sobre a cineasta que tive uma vez com Novak, nosso colaborador esporádico. Ele chamou atenção ao fato de que as protagoistas de Coppola denotam que ela se sente no papel da filha, cujo pai famoso e importantíssimo na humanamente superficial indústria cinematográfica, nunca teve tempo para ouvir as divagações brilhantes de adolescente rica que ela deve ter tido quando era mais nova. Todas as suas protagonistas querem um pouco de atenção para o seu brilho intelectual e o mundo incondicionalmente vazio e imediatista não demonstra a menor disposição em prestá-la.
Parece que nesse novo filme, a filhinha do cara que vive um mundo de frivolidades vai tirar ele desse mundo. Se for assim, a vitória contra a frivolidade será conseguida. Espero que depois disso ela pare de fazer filmes.

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