Tuesday, December 1, 2009

Teoria racional da Mão de Deus

É interessante como assuntos irrelevantes e corriqueiros podem elucidar aspectos das teorias sobre o comportamento social. Há umas duas semanas, Henry, centroavante da seleção francesa de futebol, ajeitou a bola com a mão para dar o passe para o zagueiro Gallas fazer o gol que classificou a França para a Copa de 2010. Nenhum dos árbitros viu e o gol foi validado. O episódio quase vira uma crise diplomática entre a República da Irlanda e a França e se apresenta como mais um elemento das discussões sobre a introdução de arbitragem eletrônica nesse esporte. A coisa toda foi tão dramática que Henry chegou a pedir desculpas à Irlanda e a sugerir que houvesse outro jogo ou algo assim para que a injustiça fosse reparada.
A pergunta que tenho me feito é: por que cargas d'água o futebol vive envolto em polêmicas geradas por erros toscos de arbitragem? Para responder a essa questão, vamos falar um pouco de outro esporte onde isso nunca (acho que pelo menos em termos estatísticos o termo [nunca] é adequado) acontece, ignorando naturalmente a possibilidade de que tais erros sejam meramente falta de honestidade na arbitragem.
Esse outro esporte é o tênis. Quantas vezes a maravilhosa Maria Sharapova falou mal da arbitragem na carreira? Quantas vezes Steffi Graf atribuiu uma das suas poucas derrotas ao árbitro? Nunca! Isso simplesmente porque a arbitragem no tênis quase nunca erra. E por quê não erra? Eu não sei com certeza absoluta, mas tenho certeza absoluta de que o fato de uma partida de tênis ser disputada por duas (quatro nas duplas) pessoas numa quadra de cerca de 196 metros quadrados e arbitrada por um juíz principal e 8 auxiliares tem alguma influência nisso.
Enquanto isso, uma partida de futebol é disputada por 22 pessoas numa quadra de quase 7900 metros quadrados e arbitrada por um juíz principal auxiliado por dois malditos bandeirinhas. Se o leitor quiser, faça as relações árbitro/área e árbitro/atleta em cada uma das situações e depois imagine onde é mais fácil a conduta desviante da regra ser identificada pela autoridade competente. É por isso que existem tantos erros de arbitragem no futebol.
E o que tem isso a ver com teorizações sobre o comportamento social? Na verdade, a iluminação sobre isso está relacionada menos ao erro do juíz do que a tendência ao embuste por parte do jogador de futebol profissional. O jogador sabe intuitivamente que a capacidade do árbitro de aplicar a regra é diminuída pelas próprias condições sociais características do jogo. Sendo assim, ele sente-se incentivado a burlar as regras quando a burla representa um benefício para ele individualmente e/ou para o seu time. Já que o controle é baixo, normalmente a possibilidade de benefício é um incentivo suficiente à adoção de um comportamento irregular.
No caso do francês, o controle só pôde ser exercido depois que as câmeras de tv mostraram a fuleiragem. Mesmo assim, foi um controle a posteriori e com fortes apelos à ética e à honestidade esportivas. Assim, o jogador tomou a atitude de falar o que falou sobre o que fez, mas o fato é que a merda já tinha sido feita e a tentativa de transormar ela em uma coisa menos asquerosa tem muita chance de ser uma merda maior ainda. Não obstante, há de fato uma situação institucional no que diz respeito a valores que precisam ser realizados pelos indivíduos quando estes agem em ambientes sociais. Mas parece que a influência desse aspecto em condicionar comportamentos, pelo menos nesse caso, foi nula. Afinal, a Mão de Deus operou com eficiência.
Situações institucionais costumam condicionar o comportamento dos seres humanos, mas é muito ingênua a tendência de supervalorizar o poder dos aspectos éticos e morais de tais situações. Por outro lado, quanto mais impossibilitado externamente (já que ética e moral são elementos quase que psíquicos da condição humana) um indivíduo estiver de adotar uma conduta irregular mais é provável que ele não a adote. E isso vale praquela coisa chamada política partidária que tanto enoja os incautos defensores da moralidade.

2 comments:

Igor de Lyra said...

Bom o texto! É bem verdade que no tênis os erros de arbitragens são bem menos frequentes, mas que acontecem, acontecem... Quantas vezes Fernando Gonzalez não tirou sarro de juízes de linha parcialmente cegos? E as reclamações de Roddick? E o desafio eletrônico? Que todo tenista profissional masculino e feminino diz não confiar muito nesse recurso, porém aceita o veredito, pois encerra a polêmica momentânea. Quanto ao futebol... Bem o futebol é muito mais que um esporte! Um jogo é quase uma novela de Manoel Carlos. Drama, amor, ódio, traição... Deve ser por isso que dizem que tênis é chato e futebol é o que é!

Alonso de Paula said...

Roddick é um arrogante mimado!